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Um ano de Espaço a'mais - 15 de outubro de 2018

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Há exatamente um ano, carregávamos móveis nas costas e toda sorte de coisas, nós mesmas, sem dinheiro para contratar um carreto. Há um ano, faxinávamos, nós mesmas, um lugar de pura poeira para acomodar nossos móveis e nossos desejos, sempre incômodos. Há um ano ganhamos, de parceiros e de amigos que são puro dom, contribuições para preencher esse espaço, mas não todo. Não compramos quase nada, porque tínhamos o bolso vazio, embora no coração houvesse alegria suficiente pelo começo que, como aquelas portas, recém-alugadas, nos abria. Não tínhamos quase nada. Mas alguns habitantes e passantes foram chegando (e ainda chegam). Alguns trouxeram flores; outros, cadeiras; outros, um desenho; outros, uma palavra; outros, a poeira dos sapatos; outros, um puro entusiasmo que ainda hoje nos arrebata.

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Desejávamos construir, cavar, no corpo da cidade, como diz uma das frases que nos serviu de guia, extraída da obra de Juliano Pessanha, um “lugar para além da normalidade e da exclusão”. E cavamos, com nossas próprias mãos, com os recursos que o desejo, esse quase-nada, essa coisa-pouca que não é pouca coisa, dispunha. Hoje este lugar existe, e dizer que “ele é”, que, inclusive, conseguimos fazer ali, de fato, um espaço a’mais, ainda nos parece um espanto. E talvez nunca deixará de ser. Porque é sempre uma perplexidade saber que um lugar assim existe no mundo. Um lugar em que a palavra possa ter peso, em que o texto possa ser escutado, em que a fala possa ser lida. Lenta, urgente, a tocar os corpos. Um lugar em que até o silêncio tem lugar, e também: o insignificante, o improdutivo, o nascimento dos livros, o nascimento das escritas, o nascimento dos autores, o crescimento das plantas.

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Às vezes nossa potência de agir é maior que nós mesmas, é maior do que a menor das possibilidades. Às vezes é possível apostar naquilo que parece o mais improvável. Não sem perdas, não sem riscos e também não sem a alegria dos imprevistos, dos encontros. No entanto, em virtude da situação preocupante em que se encontra nosso país, não faremos uma festa para comemorar este aniversário de um ano. Mas não poderíamos deixar de agradecer àqueles que doaram corpo para que este lugar ganhasse corpo e pudesse existir, como existe – para nosso espanto. Agradecemos a todos aqueles que habitam, passam, visitam, abraçam este nosso lugar (a’)mais que amado. 


E continuemos, pois.

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“A uns trezentos ou quatrocentos metros da Pirâmide me inclinei, peguei um punhado de areia, deixei-o cair silenciosamente um pouco mais adiante e disse em voz baixa: Estou modificando o Saara. O ato era insignificante, mas as palavras nada engenhosas eram justas e pensei que fora necessária toda a minha vida para que eu pudesse pronunciá-las." Borges

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