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  • Espaço a'mais

1/4 de posfácio

por Vania Baeta


Trata-se do que não tem cabimento. Trata-se, a cada ¼ de hora, do tempo fora do tempo, do amor com amor dentro, da raiva com ternura dentro, do peso com leveza dentro, do ninho sem passarinho dentro. Trata-se de um dia, depois de outro dia, contando a incontável poesia, a mais pura harmonia, sem nada, nada mais do que palavras em talismã.


Por que os acontecimentos mais simples da vida e da morte e do amor parecem não conter palavra dentro? Seria por que os escritores nascem aí: quando isso, justamente isso que não tem palavra dentro, se impõe de tal forma que não há como se livrar, a não ser em forma de livro? Eu me livro. Eu te livro. Eu me livro do eu. (Faça-se um livro, meu Deus, que livre um escritor). O livrar-se faz nascer um escritor?


Este livro se escreve em língua de amor: de amor só, sozinho, trêmulo, silencioso. Este livro guarda a repetição dos dias e suas noites, as noites e seus dias. É assim que ele se escreve: oxímoros e avessos, avessos e seus oxímoros compõem o vaivém das intensidades. Este livro é dor suave com bálsamo dentro. Não dói, este livro sopra. Passa como passam os dias, que escorrem em nossas mãos de areia. Este livro está vivo, morre na praia. Este livro grita no mudo do mundo. Ignora se vai ser lido ou não, porque é em sua ilegibilidade que está a chave de leitura. Tentemos soletrá-lo: cada número, cada letra, cada data em desaparição. Tentemos falar dele. Mas como, se a língua se perdeu? Perdeu-se com um soco no estômago invisível, ninguém viu, ninguém pôde acudir, ninguém percebeu a áurea reluzente de sua dor. Tentemos tocá-lo. Mas ele mal se equilibra na estante, diria o poeta Manoel de Barros. E, no entanto, a força de suas paisagens, a bruma de suas paragens, a correnteza de sua.... Este livro ri de nós, porque ele está longe, alhures. Ele diz: eu me livro, eu luto. Não está aqui.




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