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O Reino animal da poesia

por Paula Vaz



A Onça


Viver

é também sobreviver.


E o alimento,

variável.


O que há de mais selvagem

no disparo do cavalo,

na voracidade da onça,

nas unhas do corvo

e no voo do pássaro sobre o abismo?


É que agora,

o animal quer falar


Ela ruge.

Ele rosna,


e só querem falar.


Quando amam,

parece que querem falar

mais ainda.


E morre-se

tantas vezes.


Se se ofendem,

eles precisam falar.


Ela esturra,

ele uiva,

eles se arranham

até cravar os dentes

no casco das palavras.


Bêbados de sol,

ávidos de lua,

caçam com o ouvido

a carne.


Não é o difícil o último rebelde?


Esses animais melânicos

já sofreram mutações.

Por isso surgem na luz

como vestígios da noite.


E esse poder muscular

de rasgar o vento quando encontram a presa

divide ao meio uma floresta.



***



A Barata


Carrega toda a sujeira do mundo

para que nela

você não se reconheça.



***



O Gato


Seu olhar

carrega a pergunta

que a humanidade perdeu.


Caminho vulnerável

assistindo ao exercício da soberania dos homens

no sacrifício dos bichos,

no domínio das florestas

uns sobre os outros.


Porque toda soberania

se alimenta abatendo alguém

para se manter de pé.


E pensam que assim

encontraram a identidade própria das coisas.


Mas um gato me olha

sem que eu possa respondê-lo

e me convoca, na minha estranheza,

no cerne insabido de mim,

a estar de novo e pela primeira vez

frente a tudo o que não tem nome

e que por isso mesmo

respira.


Por um minuto

silencia todo saber civilizado

e me devolve,

como diriam as árvores,

ao humano

que ainda não somos,

Ao humano que vamos ser.



***



Esses poemas compõem o livro O Reino animal da poesia, que será lançado em breve pela Cas'a edições.



Imagem: ilustração da artista Julia Panadés feita especialmente para o livro.

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