por Ricardo Rachid
Um emaranhado de luas e ventos são seus dedos em pares a riscar, com giz, estrelas no quadro negro da noite. Corre flutuante com as mãos de caçar
vagalumes. Ele não se preocupa com as reticências do perigo, mira o céu, imagina o mar e suspira. De braços abertos,
descrucificados, espera,
no chão,
as primeiras lágrimas das nuvens
banharem a fisionomia,
quase morta,
do canto.
***
O amor, senha desse pedágio.
Cada um faz a sua ponte.
O rio,
ora estreito e raso,
ora de longínquas margens.
Céu azul e negro,
largo.
Cordilheira, campina, sal,
deserto o espaço.
***
Apesar de tudo,
da sarjeta da galáxia,
dos porões escuros da casa,
do peixe tangido de gato,
das escadarias da fresta,
do lado de fora,
o amor entrou pela porta fechada.
Senti-o pela infiltração,
pela rachadura,
pela febre dos objetos
e pela súbita epidemia de cores pela casa.
***
O livro Grão, de Ricardo Rachid, de onde foram extraídos esses poemas, ainda inéditos, será publicado em breve pela Cas'a edições.
Imagem: capa do livro concebida pela artista gráfica Fernanda Gontijo, que compôs a tipografia do título manualmente utilizando a técnica de monotipia, produzindo, assim, uma textura granulada sobre o papel.