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  • Espaço a'mais

3 poemas de Nicole Signorelli

por Nicole Signorelli

Coração

Objetos ganham outras dimensões,

uns crescem, outros ficam menores.

O sofá cor da noite surrado,

as asas foram abertas,

o cinza que abraça veio depois,

através do rasgo da cadeira,

janela que abre um quadro

de alegria, dor e medo.

A taça quebrada era de cristal,

não teve substituta.

Uma, na verdade, duas

testemunham o que não se partilha,

os espaços da casa.

Paredes maquiadas de um branco

neve, nenhum adorno,

apenas marcas da chegada

de novos habitantes.

Os quadros não foram pendurados,

por nada,

não se apressa.

A casa conta histórias

aos poucos:

um cachorro tinha quarto,

nas gretas do assoalho, pelos,

um vazamento estancado com cimento

no cano da pia.

Uma água vai fazendo o seu caminho

pelas brechas, no rejunte,

se esvai mansa,

mas ininterruptamente.

Tem um sol dentro da sala,

as noites são de inverno.

A casa inabalável,

as pessoas habitam, vão embora,

ela permanece,

não imune ao que se transforma.

Espaços vazios,

há que se respeitar o inabitável.

Estar nos intervalos

ensina:

não morrer todo dia.


***


Costas

De uma fotografia de lótus

na pele,

pétalas claras rente ao miolo,

o escuro na região das

bordas.

O caule verde e delgado advindo de lugar

nenhum sustenta o que distrai

o olho.

A um tempo que não

se sente,

pétalas e caule soltam-se.

Resta a sombra marcada na pele.

Um hiato conta

uma história sem palavras.

O rodeio da lama é o brotar de uma lótus


que está à sua altura.



***


Mãos

No final, restou o que sempre fez

presença.

Não se é tão livre como se acha.

Trabalho árduo dia após dia

e seguido de outro.

De todas as notas, doces às ácidas,

dissabores,

batimentos alternados, a um quase parar.

A palavra se gastou até não

se emprestar

a nada.

A energia abandonou o corpo, o pássaro

levou o pensamento,

sem pouso

em lugar algum.

Os sentidos não sustentam

porquê,

oco

na existência.

Se tem o chão,

terra negada.

Resta jogar grãos ao vento.

Terra dada.

Grãos à escolha, colheita

incerta,

migalhas de

palavras,

melhor do que nada.



Imagem: fotografia de Maraíza Labanca

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