por Teresa Melo
o que mais gosta sobretudo é da sexta-feira. inclinar-se de manhã na janela da cozinha e desabotoar-se à cidade-antracite no vagar. o estar ali entre a ausência e o centro e a admirar os espasmos do tempo, a chaminé de tijolo ao longe, as laranjas e as magnólias nacaradas nos quintais dos vizinhos.
imagine-se agora que empurrava a porta para dentro de si e entrava. o mundo a 149,600,000 quilómetros de distância. imagine-se que não tinha medo. imagine-se que vocação.
os dedos a lascarem-se numa precipitação de flores brancas, o cheiro a cássia a impregnar-se, as palavras e os sopros de pé a ocuparem tudo o que tem censura e o que nunca vai ter. teu olho meu olho, teu dente meu punho, teu pénis-gerânio minha introdução. e agora, que dia é hoje Cronos? sabes? sonhas? é dia de paz? o que é que está dentro dos substantivos (e adia), que espécie de ave entontecida é esta (e trepida), que ponta de fôlego a vir-se (e acalenta)?
no último piso vê-se bem o raiar e isso diz muito sobre a sexta-feira.
Imagem: fotografia da autora