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  • Espaço a'mais

̶A̶ ̶t̶e̶r̶r̶a̶ o corpo


por Maraíza Labanca


Lá a violência, as insolações demoradas,

naqueles pendores ásperos, revezando-se,

mal cobertos por cenários em que ressalta

o aspecto atormentado, o desmantelo

dos leitos secos, no constrito das gargantas.


E no quase convulsivo

martírio de um estio, pela irradiação

noturna, a perda, o calor absorvido

pelas rochas.


As chuvas precipitam as forças,

na íntima superfície

demolidora.


Nos verões queimosos, vão

surdamente, ligam-se, uma e outra,

ambas cindidas, à maneira de silhares,

naqueles ermos, em desordem, em ângulos

oscilantes e, mais longe, desaparecem,

sob a imagem perfeita desses mares

de pedra, e se derramam em lastros

de seixos delatando violências.


As arestas persistem

– esses efeitos físicos –

ao vagar, em função dos fatos, a cada passo,

várzeas, antigos lagos, pousos abertos.


Vermelha, cindida de veios, intercepta

o talvez


– cobre contornos mais corretos.


Destacadas em lâminas em que se

embebem, ofuscantes, as erosões quebram

a continuidade.


E nos trechos em que elas se estiram, planas,

pelo solo, desabrigadas de todo, ante a acidez

corrosiva dos aguaceiros tempestuosos, crivam-se

de cavidades circulares, fundas,


tangenciando-se.


Aos leitos vazios se desdobram,

tocando-se – aquela natureza torturada:

têm a impressão de calcar o fundo

de um mar extinto,


tendo, ainda, naquelas camadas,

a agitação das ondas e das voragens.


**


Sujeita às perturbações locais,

a reações mais amplas,

às correntes, à monção

dos planaltos interiores:


são, no estio, atraídos ao entrar

dezembro pelas costas, desnudo,

irradiando toda a umidade

absorvida na travessia dos mares.


Canaliza-a, correndo em direção

àquele vento – um dizer natural, fora

de limites, prolonga-se, até que reabre,

outra vez, este intervalo:


a longa faixa de calmas,


o lento oscilar em torno,


o zênite,


levando a borda até os extremos,

de leste a oeste.


De súbito, mais íntimo, o destino

agitado dos alísios – irremediável –

chega de improviso, desnuda

a sua própria intensidade.


Os ares aquecidos entram.


Entrechocadas, uma e outra, de tufões

violentos, alteiam-se, retalhadas

de raios, nublando, em minutos,

o firmamento todo,


desfazendo-se,

logo depois, em aguaceiros fortes


sobre os desertos.


**


As estrelas negras incham

os ventos.


O firmamento golpeia-se

de relâmpagos.


À borda, assomam frutos que lembram

contas – é a árvore sagrada, desinvoluindo

até se preparar para a resistência: as reservas

guardadas em grande cópia.


Reparte-as, abre-lhes o seio, os ramos

recurvos parecem, de propósito, feitos

para os frutos de sabor esquisito, o sumo.


Assim, decotada, semelha os cereus

melancólicos, nos paroxismos estivais.


Depois, derrama-se, em sebes, pressagia

a volta das chuvas, quando lhe porejam

algumas gotas d’água.


São a nota mais feliz do cenário deslumbrante


Sucedem-se manhãs sem-par, em que o irradiar,

o levante incendiado retinge a púrpura

das eritrinas, engrinaldando de casca os ares,

numa palpitação de asas – as notas


de clarins estranhos.


Remigra e rola, deslembrada

de mágoas, e entoa a cantiga

da terra, até que, surdamente, num ritmo

de folhas, se desenhe, outra vez,

nas ramagens decíduas,


estas linhas esparsas.


**


Esses poemas, ainda inéditos, serão publicados no livro ̶A̶ ̶t̶e̶r̶r̶a̶ O corpo, de Maraíza Labanca, que sairá em breve pela Cas'a edições [Projeto contemplado pela Lei Aldir Blanc].





Imagem: desenho de Julia Panadés feito especialmente para o livro






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