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Acurar-se da escrita

por Erick Gontijo Costa


Escrever é captar com palavras a tessitura poética das noites e dos dias. Agarrar o redemoinho que por vezes gira no centro da casa. É também, algumas vezes, agarrar-se às amarras da realidade, desfazê-las e então reatá-las. Raramente, em instantes intensos, é meter as mãos no nada e, tal qual o mendigo que suplica por comida, contornar com a concha das mãos o vazio que, de informe que fora, faz-se forma pelo lado de fora.


No vazio a escrita circula; no nada, sufoca. Assim também a vida, que se escreve e, num piscar de olhos, transpõe-se para o papel.



***



No poema vivo, há o corpo a acurar-se da escrita. Há o devir acurado do poema.



***



Escrever é acurar-se da escrita: acurar pontualmente um sujeito, um corpo e o real, enlaçados letra a letra, ainda que ao eu, onde a consciência reside, reste a falta ou a inconsistência, alguma angústia transposta em texto. Acurando-se da escrita, resta o objeto em desaparecimento vibratório, rumo à noção pura. Um quase nada em direção ao poema.



***



Acurar-se da escrita: em sua exatidão provisória, o texto é espaço orgânico em expansão. Quase nada, quase ninguém aí se reconhece, porque a palavra introduz um pequeno desvio entre cada coisa e si mesma. A escrita, em sua incompletude assinalada pelo porvir, traz à língua a (des)medida do mundo, dos corpos. Já não comparece onde se espera. Tende para fora de si.



***



Esses fragmentos acabam de ser publicados no livro Acurar-se da escrita, de Erick Gontijo Costa, pela Cas'a edições.




Imagem: desenho do autor e capa do livro

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