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Antidicção

Atualizado: 20 de fev. de 2019

por Jorge Miranda


Penso que comecei a escrever o Antidicção durante o I ciclo de conferências Poesia e Experiência, organizado pelo professor Gustavo Silveira Ribeiro, em 2017. Lembro-me bem de que os primeiros versos – que dariam origem ao poema homônimo ao livro – foram pensados durante a fala do poeta Age de Carvalho. O encontro com a poeta e artista plástica Leila Danziger nesse mesmo evento, além das conversas com o professor Gustavo enquanto íamos à sala dos professores para pegar café, foram bastante importantes e encorajadores para que um incômodo me motivasse a escrever o Antidicção.


Penso também que comecei a escrever o Antidicção quando não me reconhecia nos textos que eu escrevi durante os últimos anos. 172 + 213 + 217. Era uma tentativa consciente de emulação, de imitação de poetas que admiro, uma prática de segurança para principiantes cujo rendimento me pareceu agradável. Tentativas de escrita que objetivavam apurar uma mão poética que, sem perceber, escrevia com luvas – logo, não deixava uma impressão sequer de si.


No entanto, é possível retroceder um pouco mais e pensar que o ponto de emergência de Antidicção foi o caderno de caligrafia insistentemente usado até os dezesseis anos. Eu treinava minha caligrafia nele escrevendo três informações que eu não poderia esquecer: meu nome completo, a cidade em que moro, quantos anos tenho. Certa vez, a supervisora pedagógica da escola, ao querer me elogiar diante da turma, disse que minha letra era bonita como de menina. Na primeira série, ganhei o II Concurso “O Pequeno Trovador”, declamando um poema chamado “O circo”, o qual nunca mais consegui reencontrar. O ano era 1372, conforme o calendário persa.


Até os cinco anos de idade eu não conseguia pronunciar o som da letra r. No entanto, aos doze, já pregava nos cultos da igreja Assembleia de Deus do bairro. Era um evento sagrado e narcisista. O meu melhor amigo naquela época se chamava Rander. Acho que, nessas ambivalências, um pouco de Antidicção também era escrito.


Minha bisavó, D. Dulce Evangelista, tinha o curioso hábito de exigir que eu escrevesse poemas dedicados aos parentes e às visitas que iam lá em casa. Após escrever o poema, eu lia em voz alta, com todas as pessoas já em volta de mim. Aplausos. Abraços. Eu me convertia no troféu vivo da minha bisavó, a prova de que o método educacional dela era capaz de erguer um bonito antimonumento: a cordialidade e o fracasso em pessoa. Aos 8 anos, eu tinha essa bonita e violenta lição: escreva sempre para agradar aos outros.


Não ter uma dicção própria deixou de ser um problema para ser uma falsa potência. O artista plástico Nino Cais disse para mim que eu era um livro de literatura com português arcaico. Problemas de linguagem se resolvem na e pela linguagem. A alegria em habitar o poema de teto baixo e de fôlego curto me satisfaz tanto quanto não saber se geração será os que comigo andam ou os que fazem sombra sobre o meu caminho. Depender da voz alheia para dizer a experiência mais íntima: nascer não é para sempre; camisas de força nunca precisaram de botões; dar a César o que é e dar ao filho o que nunca foi.


Penso que escrever o Antidicção também foi um tipo de encontro negativo. Amadurecer como um fruto de cabeça para baixo, crescendo no sentido contrário à própria natureza. Eis a minha casa: um floreio em que, por seu nada dizer, me reconheço.


Arrisca o fósforo. Acende a luz. Pega na candeia, vai chamar seu Zé da Cruz. Não sei como atravessar este poema.


Seja bem-vindo.


Maranata.





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