por Flávia Denise de Magalhães
A fila para a leitura de cartas da madame Astrô parecia interminável. O novo ano se aproximava, e a menina comprometia minutos de festa esperando pela oportunidade de desvendar surpresas que a aguardavam no futuro.
Meia hora para meia-noite, ela finalmente entrou na tenda. Aos dez anos, era a mais nova da fila, que coletivamente a incentivou a tirar a sorte, mas, ao vê-la entrar tão perto da virada, pediu nervosamente que “se apressasse”. “É muito nova para ter dúvidas”, escutou a mulher de trás comentar.
A aba de pano caiu e o som da festa foi abafado. Na mesa, uma mulher fantasiada de cigana sorria. Mais cedo, a mãe da menina havia perguntado se havia idade mínima para tirar a sorte. Após uma hora na fila da baiana que jogava búzios, a jovem tinha esgotado a cota de rejeição da noite.
Assim que ela entrou, madame Astrô pediu que Firenza tocasse as cartas, cortasse o monte e fizesse uma pergunta.
– Posso perguntar qualquer coisa?
– Pode, mas tem que ser importante. Uma coisa que você sempre quis saber.
A menina tinha passado a última meia hora de fila tentando pensar na pergunta. Os companheiros de espera tinham vetado ela de perguntar “Onde está a Lívia agora?” e “Quem chutou minha mochila no recreio?”. A pergunta tinha que ser muito importante, explicaram. O resort em que passavam o fim de ano não contrataria uma cartomante qualquer, e era necessário fazer valer o dinheiro. Assim, Firenza entregou a questão que lhe assombrava o coração:
– Por que tem gente que mora na rua?
A cartomante congelou. Abriu a boca e a fechou. Respirou. Enrugou a testa.
– Por que você está perguntando isso?
– Você não sabe? As cartas não sabem?
Irritada e com medo de a sessão terminar com a mãe da menina novamente na tenda, a cartomante ofereceu as cartas para que Firenza escolhesse as suas.
Os desenhos hipnotizavam. Firenza esticou o braço e virou a Torre, que estava de cabeça para baixo, para sua posição correta. A cartomante não deixou. Minutos e minutos se passaram em silêncio. O som abafado de festa e o ar quente da tenda davam sono. Firenza olhava ansiosa para a entrada. Não daria tempo de perguntar mais nada.
– Acho que a resposta, para você, é que eles estão lá porque fizeram uma escolha. E essa escolha levou eles para lá.
– Que escolha?
– A de morar na rua.
Antes que Firenza pudesse falar mais, a tenda foi aberta e sua mãe apareceu.
– Faltam dez minutos para meia-noite, vamos!
***
Firenza riu e dançou com a família. Celebrou o novo ano que vinha. E, algumas horas depois, desceu sozinha a escada que levava à praia. Com os adultos bêbados, ninguém poderia impedi-la de ir àquele trecho, cheio de pedras e ondas fortes. Em suas mãos, o tarô da cartomante.
Na pedra mais ao mar, Firenza se sentou, acendeu a vela que mais cedo decorava a mesa e, uma a uma, rasgou as cartas e as entregou às ondas, que pareciam querer o papel com seu vai-e-vem.
Um sacrifício honesto para pedir novas escolhas para quem as desejasse.
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