por Inês Campos
o que te partiu
depois do Charleston, do hotel em Casablanca
das noites estendidas
o que te partiu
e não carregou minhas ancas agora errantes
o que te partiu a febre, a carne
o corte da carne, o resto serenado
se o resto é você debaixo da pedra
cortando a veia
do deserto
o que te partiu
antes do outono da palavra
diluÃda na saliva
do sopro derradeiro
do fio da retina
tento desbastar a terra
recolher seu nome entre
o canto berbere e os lábios colados
deixo que outras mãos limpem
minhas partes, me amarrem frente
ao nada de dunas vermelhas
só a lembrança do teu grito engolido
a terra ainda entre as unhas
e uma pedra recolhida do fundo do espaço
agora ocupado pelos teus ossos
insiste nas frestas o corpo
preso em alguma tenda de uma cidade escondida
no tecido negro do esquecimento
seria a pedra que recolhi de você
disforme, porosa
sem caule ou patas
tirem-me a corda dos pés (não gritei)
estendam-me o abismo (não pedi)
sou eu o abismo
e o estranho me despe em uma bacia de prata
reserva para meus espaços a raridade da água
não quero sua mão acordando meu corpo
quero a mortalha que teci
não desate o nó
estou junto aos ossos
que enterrei na boca do deserto
onde a pedra que carregava tombou?
outra lÃngua recolhe a poeira
dos meus dedos soprando em meus ouvidos
o dia da partida
Imagem: desenho de Julia Panadés