por Paula Vaz
o deserto é uma página em branco
esse espaço desabitado
a mudez das coisas que perdem os seus nomes
essas terras da sede
esse território negligente
coberto de escombros
esse altar rodeado de velas
a sagrada inquietude
de tudo que ainda não é silêncio
todo livro é um deserto
porque a princÃpio
não temos palavras para intensidades
e só interessa escrever
sobre aquilo que não temos palavras para dizer
então é preciso pescá-las pelo mundo
inventá-las roubá-las
até sentirmos que finalmente conseguimos passar
o elefante da solidão pelo buraco de uma agulha
escrever é encontrar o fio do buraco da nossa agulha
onde quer que ele esteja
no horizonte
nas bordas do mar
perto de você
é esse escrito que ofereço
às palavras que nos transbordam
às palavras que nos transportam
aos livros que precipitam livros
aos contos de amor e não
porque o amor não vazará meus olhos
nunca mais
escrever é retornar à sala vazia
à copa de uma árvore
e escutar o que vive
escrever é não estar de acordo com as coisas
como são
é querer modificá-las um pouco
e não saber o que virá
essa moral de ser em direção ao fulgor
como diria Duras
escrever em direção aos desertos
porque somos todas instruÃdas em dor
sem sombra
partida
para cada deserto é preciso um artifÃcio
que expresse a lÃngua da sua natureza muda.
o deserto é uma página em branco.