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Just do It


por Munyke Romano


Bartolomeu,


Perder a vida é uma partida de esgrima. Te convido. É ser tocado pelo adversário com a lâmina, mesmo tendo evitado aquele toque metálico.


Te conheci em Janeiro. Morto já estava, enquanto eu, perto de nascer.

Te tocaram com o florete, e eu, esquivando do toque, me mantinha quase viva.

A face me dói, o corpo desprovido da seiva que me movimenta, a noite cantoneira me colore de branco a camisola de algodão e me permite lutar com florete.

Mais delicado, o florete me escapa.


Não tocaria um torso com lâmina, ainda que me custasse a vida. As lâminas roubam as seivas vivas, lâminas de florete, sabre ou espada. Assim, vida e morte são partidas, partidas de esgrima.


A lâmina é fria e geme quando corta o ar. Sim, o ar também é cortado, e, por isso, no meu rosto frágil ele desliza com o peso do elemento 117.

O corte é frio como águas em cachoeiras, ainda que do corte brote um sangue vermelho com tonalidade quase morta, contraste com vermelho vivo que insistimos em dizer do sangue próprio. O sangue pode jorrar frio, quando a alma está congelada. O vermelho amargo… Quando a memória está feito um umbigo que, caído, morto, desconectado do corpo macio, é jogado no rio. Quando o corpo solitário jaz em um ninho, feito indez. Casca plástica, sem vida, com a importância de substituir o ovo que era o único que se fazia real naquela pilha de palhas afofadas e dormidas.


O indez… Um pedaço plástico mesquinho transmutado em ovo, fingindo ser o ovo que daria vida, que seria vida… O indez, que, de tanto ser nada, um dia, renasceu. E deixou de ser indez, para ser, talvez, algo plástico, mas não mais mesquinho e usado. Ser talvez um umbigo e se atirar nas águas frias, em queda.


A queda livre não existe, eu descobri. Todas as quedas são sustentadas por um meio. As folhas não ensinam a cair. As flores também não. Nada prepara para a queda, que nada tem de livre.


A queda livre é uma ilusão que se formula fisicamente, apenas para ser usada como parte de uma equação, durante um percurso matemático. O umbigo, ou o indez, ou o florete, já não faz muito sentido quando a febre queima o fundo falso entre as clavículas e os enche com gotas em quedas.


Tanto faz a forma como se rouba uma vida. A vida é uma grande partida, talvez de esgrima, um toque no torso. E outra partida.


A vida é frágil, uma película. Para os espanhóis, filme. Para mim, esgrima. Ou talvez esteja só na correnteza atrás do umbigo ou o tempo, o tempo de voo, de um ovo que nunca eclodiu.


Um indez. O voo do indez.



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