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  • Espaço a'mais

Poemas de 'Dermatográfico'

por Raquel Guimarães


Das formas

Posso ser o vestígio sonoro contido em uma caverna.

Posso ser o silêncio que precede a expiração,

a última pétala que se abre de uma flor,

ou mesmo a curta espera do fósforo que se riscará.

Na sua pele,

a gota do chá agora sou eu.

Ligando os pontos,

me converto no azul preenchido de vermelho.

E assim me transformo em pura língua entre seus dentes.

Quando então se calar,

me transfiguro na palavra que expande seu corpo.

Cavernoso é seu nome.

Basta que me leia.

***

Da abertura

Jogar os búzios

para chegar ao poema.

Pelas mãos,

conheço sua consistência.

Esfrego,

respiro,

descasco.

Vislumbro os volumes,

orbito buracos negros,

seu canto estrangeiro.

A matéria valvular

em que se misturam

palavras, dedos

ou dédalos.

O sal do corpo

deduzido das conchas.

***

Subverso

Há tantas estrelas nessa noite

e os olhos nus.

Trago as mãos sujas de tinta

e o corpo em cordas.

Trago o subverso entre os dedos

e constelações inomináveis.

Trago a seiva e a fenda,

a letra e o sexo.

Trago os poetas da noite

e, sobre a cama, o livro aberto

naquela página.

Um outro acorde nasceria

se um verso gravitasse a madrugada.

***

Não

Não adianta escrever de azul o vermelho do seu lápis.

Não adianta o tambor sobre o canto sagrado.

Não adiantam as leituras

nem ainda fundir o instante e o eterno.

Ler, reler, valer o verso.

Não adianta o corpo magro do poema que cintila sobre seus olhos.

Não adianta dizer por liturgias o segredo que continuará sendo nosso.

Não adiantam metáforas

de abismos, vertigens ou chamas.

Não adianta agora sua voz em ato de leitura.

Não adianta a memória da febre,

os graus do seu corpo na outra noite

em que minhas pernas se deram a ler.

Não adianta santificar a forma do verso

para que suas intensidades se atraiam.

Não adianta esse ponto na solidão das mãos

por onde escorre esse nome frágil.

Não adianta a dor, o gemido, a pequena morte do sexo.

Não adianta sua brutal ausência.

Não adianta nem sequer o esquecimento

das palavras que dissera,

do arrepio nas costas,

ou das mãos, pernas e línguas juntas.

Não adianta a linha deitada a lembrar nossos braços.

Não adianta o silêncio do livro, dos olhos fechados

ou da boca aberta.

Frase a frase, o escândalo no corpo.



Fotografia da autora

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