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Poemas inéditos de Viviane Maroca


por Viviane Maroca



salta aos olhos de quem passa

o passeio de concreto

da casa de tijolos vivos

avizinhada a leste pelo gramado e

a oeste pela terra batida

emoldura o jardim de hortênsias

margeia a rua trilhada de paralelepíedos

d’onde nascem gramíneas -

e que segue livre

do passeio de concreto

crescreriam ipês

- um roxo e um amarelo

sob a promessa de florescer a cada junho –

circunscritos ao raio mínimo de

um palmo de terra

adentra as grades o passeio –

mas apenas permite que pé ante pé

penetre-se a parede de tijolos vivos –

e escala em degraus

até que se alcança

a porta cinza descascada e

a janela encostada com zelo

que escondem

os restos empilhados nos móveis

os brinquedos enconstados no canto

o piso frio

a lâmpada queimada

a vassoura caída

e a prancha azul

esquecida

que servia agora

a outro fim

o despejo

rejeito-me

e abandono-me no caminho de volta

onde todo concreto

assim chamado

não me orienta

não me aceita

expulsa-me

e estufa-se ante o desejo de vida

das raízes dos ipês

que não se limitam

ao raio de um palmo

de terra

e anuncia que para dar flores

romperá toda a fundação

- a maldita barganha da vida

que troca risos por pedras

orvalho por lodo

lume por cinzas

sob o falso pretexto –

o falacioso pretexto –

da fênix que carrega sobre as asas

o peso paquidérmico

da memória inconsolável

às suas agruras acumulam-se anos

pedras

lodos

cinzas

quem passa

pela rua de pedra

nem suspeita

que após

ceifado o tronco

e arrancada a raiz

retomou-se a ordem

hoje – portentosa

sobre o passeio nu

de concreto

a casa impera



***



escala sobre o morro a casa

ciente se faz de sua topografia

que penetra-lhe o solo

que estufa-lhe as paredes

que racha-lhe o piso

que estoura-lhe os canos

sigo habitando a casa

***



para atravessar a soleira

da porta da casa que habito

devo despir-me dela

e esquecer seu caminho

abandoná-la à sorte

da erva daninha do cupim

da hera e da aranha

m’esqueccer de suas maçanetas

e do ranger de suas dorbadiças

e do feixe de luz refletido

no vidro da janela fechada

e da água parada no cano

e do fio em curto pendente

do reboco em pó semeado

sobre o piso estéril

para atravessar a soleira

da porta da casa que habito

devo soltar o batente

que sustenta a ruína

que suporta o passado

que prolonga o soluço

que conserva os rancores

e acumula os opróbrios

de todas as mortes que morri

para atravessar a soleira

da porta da casa que habito

devo arder as ofensas

por mim colecionadas

em chama branda e constante

até se fazerem pó

e enterrá-las apenas

a dois palmos do chão

para evitar a vertigem

devo aceitar os fracassos

e matizar os erros

arraigados às ruínas

dos meus rancores primevos

devo serrar o esteio

das minhas vaidades

e emudecer a língua

e esquecer o credo

devo quebrar as palavras

e o dedo em riste

e sangrar-me a goela

como quem sangra um porco

à véspera da ceia

e chamuscar-me a pele

e raspar-me o pelo

e servir-me aberta

crua e eviscerada

e assim de olhos abertos

a fitar minhas ausências

recompor pedra a pedra

os alicerces da casa


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