por paulo baraldi
as coisas não existem até que eu as pronuncie em voz alta.
transpor em texto ajuda a afixar a realidade, consubstanciá-la de forma frágil, mas a realidade só se torna feita e terra quando eu a anuncio em voz alta,
em carne lixo
tá tudo bem com você?
manifesto, deixo claro, afirmo minha capacidade analítica sobre o outro
nossa, foi bom o final de semana no sítio, né?
afirmo a realidade com gana, bato o pé e declaro de novo na mesa do jantar,
nossa,
foi muito bom o final de semana no sítio, né?
não importa que foi,
como foi,
não importa minha incapacidade de ------------------- minha aridez invejável, o deserto oco, a careca queimada, os ombros em brasa, os olhos saltando da cara ardendo em sol e cloro
ah,
bacana demais.
mas assim, péra aí,
tá tudo bem com você?
manifesto, deixo claro, afirmo minha capacidade analítica sobre o outro.
nossa, foi bom o final de semana no sítio, né?
desvio o assunto.
o outro insiste,
uno outro além da minha capacidade analítica,
tudo me falha,
me recolho,
uhum.
quero tomar a realidade, pegá-la pelo pescoço, minhas mãos toscas sentindo a pele lisa, minhas mãos ásperas, minhas mãos, pegajoso gruda morde baba um suspiro,
no canto, o cachorro dorme,
não perturbado.
sol nos olhos ausente sem sol,
estrangeiro, mato por causa do sol estrangeiro perdido numa fábula de cosmogonia, uma história fantasiosa da criação, meu alfabeto particular maturana,
maturando.
manifesto, deixo claro, afirmo minha capacidade analítica sobre o out
fujo.
foi difícil ler suas mensagens,
cariño,
um bebê com dentes de cachorro, uma criança chamada esperança, a falta de vontade, meu escopo é meramente humano, apenas individual. sou eu, apenas eu, frutas e legumes vegetais, uma faca eu só, eu não cabe mais.
alguém,
ninguém,
ó sem corpo.
um pote de cerâmica contendo apenas pele morta envelhecida pelo tempo, crio outro, crio eu crio.
troca colchão. troca cama. troca.
a calma por palpitação, arritmia. um livro antigo, sabe?
troca,
insiste,
coça,
calma.
Imagem: fotografia do autor